Autor: Wesley Ferreira Lopes Peixoto.
Pesquisa apresentada na disciplina de Responsabilidade Civil sob a orientação do Prof. Vicente Gonçalves de Araújo Júnior.
Data: 13/06/2017.
O filme relata a história do hospital colônia, localizado na cidade de Barbacena, no interior de Minas Gerais, um hospital criado a princípio para receber grandes empresários e pessoas importantes que viviam especialmente na cidade do Rio de Janeiro, que na ocasião era a capital do país e, consequentemente com os transtornos vividos pelo país na época, surgiam também as doenças relacionadas ao estresse cotidiano vivido por essas pessoas, que por sua vez, se dirigiam à Barbacena através de um trem que os transportavam ao hospital para tratarem de seus problemas, um local muito assemelhado com um hotel para pessoas “descansarem”.
Com o passar o tempo, a crise financeira chegou ao hospital fazendo com que o mesmo viesse a encerrar suas atividades, sendo então adquirido pelo Governo, que, ao contrário do que propunha o antigo hotel, alocava pessoas de toda a parte do país, que eram por sua vez colocadas no hospital sem qualquer controle de doença, delimitação de problemas ou diagnóstico correto de doença mental ou transtorno psíquico, como por exemplo o registro de uma paciente que foi internada simplesmente por se sentir triste.
Qualquer pessoa que se apresentasse com algum transtorno, por mais simples que fosse o seu tratamento, fosse considerado como doença psicológica, era então internado no hospital.
O controle de pacientes era precário, os pacientes eram internados sem real motivo de doença, e, por consequência, não recebiam o tratamento adequado. Uma antiga funcionária, ao ser entrevistada, relata que não era preciso ser profissional da área de saúde para trabalhar no local, ou cuidar dos pacientes, não era necessário sequer saber ler ou escrever, bastava que soubesse dar os remédios, um de cor azul ou rosa e que também não possuía qualquer prescrição médica para serem administrados, se as pessoas “surtassem” aplicava-se então um remédio pela “cor definida”.
Pior ainda, eram aplicados também tratamentos de choque elétrico, que tinha o objetivo de “curar” determinados problemas, mas também de punir quem não agisse de forma “adequada” na visão dos funcionários.
Colocavam as pessoas em filas para que aguardassem a sua vez de serem torturados com choques elétricos em suas cabeças, tal ato era praticado na presença de todos. O paciente ficava sentado, recebia água com sal no rosto, e logo em seguida, aplicava-se os choques que os faziam delirar, tremer, convulsionar e até mesmo morder a própria língua. Essa técnica era defendida pelos “médicos” com objetivo de acalmar as pessoas que ali viviam.
Através dos relatos dos funcionários, é possível ver que não havia tratamento digno aquelas pessoas. Foi relatado por uma antiga enfermeira, que todos os dias ela levava consigo uma vela na bolsa, pois já sabia que teriam mortos para que ela pudesse enrolar nos lençóis e dar ao corpo uma vela, milhares de corpos foram amontoados no cemitério criado para que fossem destinados os cadáveres dos pacientes, sem qualquer sepultamento digno, eram indigentes, houve um período que morria inúmeros por dia, até que então começaram a dar uma espécie de comida branca para que os pacientes comessem, e as mortes diminuíram bruscamente, ficando claro que os milhares de pessoas que morreram ali nesta época morreram de fome, por falta de comida e amparo, vidas foram perdidas dentro de um hospital do governo que tinha a função de cuidar, de ajudar aquelas pessoas a se tratarem.
Através de entrevistas com a antiga comunidade que compôs o Hospital Colônia em diferentes décadas, entre ex-internos, médicos, enfermeiros, cuidadores e até mesmo jornalistas e fotógrafos que fizeram os primeiros registros dessa história, é possível ver como foi absurdo o que os pacientes viveram, a cada detalhe contado é chocante, mas o que mais impressiona é que crianças que possuíam algum tipo de problema mentale causava vergonha aos próprios pais, foram internadas no hospital OLIVEIRA por não serem “perfeitas”, com o fechamento desse hospital infantil, todos essas crianças foram enviadas para o hospital colônia, e eram tratados ali de forma sub-humana juntamente com os adultos que ali já viviam, passando fome, jogados ao sol na área aberta do hospital, vivendo na imundice, sem roupas e sem proteção.
Foi constatado que mais de 60 mil pessoas ali morreram, durante o documentário, foi encontrado um caderno com declarações de valores de partes do corpo humano, mais de 1.800 registros de vendas de cadáveres foram encontrados, todos vendidos a mais de 17 faculdade, e nomeados os pacientes como pessoas indigentes, de forma absurda, vendiam partes de cada um por um devido preço, e os que não eram vendidos, eram entulhados de forma grotesca no cemitério criado para o hospital, os pacientes que eram considerados como em melhores condições, eram explorados, sendo obrigados a trabalharem como mão de obra da prefeitura.
Foram várias décadas de sofrimento para as pessoas que ali viviam, mais de 60 mil pessoas morreram quando quem tinha o dever de proteção e de cuidado era o Estado, proprietário do Hospital Colônia, que não exerceu sua função, inúmeras pessoas que ali trabalharam e torturaram os pacientes, maltrataram, os internos que tinham filhos dentro do complexo, tinham seus bebês tirados, funcionários pegavam as crianças para si, ou enviavam para a antiga FEBEM.
Em uma época não tão distante da atual, o Estado se omitiu do seu dever de cuidado, deixando com que aquelas pessoas perdessem a sua condição humana, e a sociedade foi omissa, os que sabiam de tal situação se calavam diante disto, eram colocados guardas armados ao invés de funcionários capacitados.
Da responsabilidade do Estado pelos atos omissivos e comissivos em relação aos doentes mentais.
Segundo Celso Antônio Bandeira de melo “entende-se por responsabilidade patrimonial, extracontratual do Estado, a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos a esfera juridicamente garantida de outrem, e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos, unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”. Fica claro que a posição do referido doutrinador, o Estado será responsável quando der causa à violação de algum patrimônio jurídico de outrem, independentemente de dolo ou culpa. Outrossim, o tema tratado é de grande repercussão em relação as ações e omissões do Estado.
Tratando de uma forma contextualizada, historicamente, o Estado não tinha responsabilidade alguma, visto que o soberano possuía um poder absoluto, justificado em razão de um poder divino. Nesse mesmo sentido, característica dos estados absolutistas, o Estado não era responsabilizado pelos seus atos.
Em um segundo momento, o Estado adotou a responsabilidade subjetiva em relação aos seus atos praticados (atos comissivos). Neste caso a vítima que sofreu algum dano, deveria demonstrar culpa do agente público que praticou o ato lesivo. Tal teoria condiz com o código civil de 1916, caracterizada como teoria civilista.
Atualmente, fala-se em responsabilidade objetiva do Estado, positivada no artigo 37, parágrafo sexto da constituição federal. Para a referida teoria para que a vítima seja indenizada por algum ato lesivo ao seu patrimônio, defende a ideia de que não é necessária a demonstração do aspecto subjetivo da conduta para responsabilizar o estado.
Não obstante, com a responsabilidade objetiva do Estado, surgiu a teoria do risco administrativo com o objetivo de limitar as casuísticas em que a responsabilidades do ente estatal estaria presente.
A teoria do risco administrativo elide a obrigação de reparar, desde que esteja presente a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Essa teoria é adotada em peso pela doutrina e jurisprudência.
Em contrario senso, a teoria do risco integral não elide qualquer excludente de responsabilidade estatal, ou seja, o estado sempre responderá mesmo que aja culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Tal teoria geralmente é adotada paro caso de guerras ou danos nucleares, e sua aceitação é mitigada, isto é, moderada.
Em relação aos tratamentos feitos nos internos do hospital colônia (em outros internados em hospitais psiquiátricos e submetidos a tratamentos degradantes) é necessário afastar qualquer argumento de defesa do estado suscitados levantado por alguns teóricos. É possível alegar que o Estado não agiu comissivamente, no entanto foi negligente, ou seja, agiu através de uma conduta omissiva.
De outro lado, juridicamente, retornando aos pacientes em hospícios, poder-se-ia falar em responsabilidade por ação ou omissão. Haveria ação quando o Estado e seus agentes impusessem a internação a uma pessoa, bem como quanto ao tratamento cruel dispensado aos pacientes, tal como seções de eletrochoques, agressões físicas, estupros, aplicação de altas dosagens de medicamentos etc. Por sua vez, haveria responsabilidade por omissão na medida em que o Estado, apesar de manter aqueles seres humanos sob sua guarda, não fornecia a eles condições mínimas de dignidade, tal como alimentação equilibrada e suficiente, roupas próprias para o ambiente no qual estavam inseridos, condições mínimas de higiene etc.
Nos casos de omissão, a jurisprudência, majoritariamente, ainda tem adotado o entendimento que impõe a necessidade de comprovação da culpa. Isto é, a responsabilidade deve ser subjetiva para viabilizar a reparação nos casos de atos omissivos. Essa interpretação se deve a uma leitura do artigo 37, §6ª, da CF, que fala textualmente em danos causados.
Em relação à responsabilidade penal pode-se dizer que assim como as teorias apresentadas acima trata-se de um dano. A distinção entre esse dano é que o sujeito ativo causador do dano é a sociedade, e no caso relatado (pacientes da colônia) conclui-se que foi um dano causado por toda a sociedade que se omitiu (tapou os olhos) diante das atrocidades cometidas. Nesse sentido resta configurado a responsabilidade penal por parte do Estado e conseqüente reparação, que nesse caso deve ser feita por parte do ente estatal, representante da sociedade.
Por fim, os Cidadãos/pacientes do Colônia se viram sem nome, sem dignidade. Não tiveram a quem pedir socorro, não se podia rebelar, sob pena de sofrer eletrochoque, tomar banho em banheira cheia de fezes ou ficar ao relento, ao sol, chuva ou no frio nus. Os pacientes do Hospital Colônia viram suas vidas nuas, desprovidas de qualquer proteção do Estado, dos administradores.
Nesse sentido nosso posicionamento é que cabe ao Estado arcar com a responsabilidade pela omissão, diante das atrocidades comeditas e só resta a reparação pela violação dos Direitos Humanos, como forma de devolver a dignidade que lhes foi roubada, uma vez que o ocorrido no Colônia viola os Direitos Humanos. Diante da gravidade dos relatos, também podemos concluir que o ser humano foi tratado como um objeto e descartado para ser morto, porém de uma forma lenta e desumana, podendo ser comparado como uma forma de tortura até a morte. Diante do exposto podemos concluir que houve um caso de genocídio, no hospital Colônia, como a autora do livro afirma.
Referências:
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. 1 ed. São Paulo: Ed. Geração, 2013.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em 27/05/2017.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2014
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. COSTA, Wallace Feijó. Responsabilidade do Estado em face de políticas públicas ofensivas aos direitos fundamentais. Disponível em: http://www.dpu.def.br/images/esdpu/revista/artigo13_wallace_feij%C3%B3_costa.compressed.pdf. Acesso em: 30/05/2017
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